quinta-feira, setembro 17, 2009

nova-mente

Hoje mais do que ontem e menos que amanhã quis-me por perto, quis ser o mar ,o céu, meu asfalto, a selva dos desabrigados, a galáxia dos desalojados, o planeta dos amados.

Quis querer-me ser, quis querer-me
Quis querer-me notar
desde dos fios desgrenhados
dos dedos dos pés em degrau
dos traços nunca vistos
dos traços já desbotados.

Quis-me e por querer-me
quis-me por inteiro.

Desfiz
Refiz Me.

com giz
riz.
por um triz
Desfiz-me
e ao final
refiz-me novamente

terça-feira, julho 07, 2009

a gata,o sofá e o bordado

Queria pintar uma folha
Mas para isso não tenho tintas
Nem se quer sinto palavras.

Vi textos pela manhã inteira.
Em meu café os grãos de açúcar
Eram como letras mudas que tentavam
Pular para fora da xícara a espera de socorro.

Passei para o pão
Mastiguei-o como um mendigo
Enfurecido,
Ansioso para a próxima migalha,

Comi rápido.
Como aquela água que borbulhava na garrafa,
Estava minha cabeça.
Agora, apenas os farelos em meu prato
E alguns no chão - justificados pela minha falta de cordenação
Ou como diria minha mãe,pela minha falta de educação.

Levanto da cadeira e sem pensar em mais nada
Saio correndo pra pular no sofá até ouvir a gata da minha avó
dá o ar de sua graça.

A gata miava estridentemente
É...
Eu acabava de pisar em seu rabo.

Fiz carinho em seu pescoço até acalmá-la.
Logo adiante deixei-a de lado e como queria
segui para o sofá.

Pelas mangas do meu casaco e pelo bordado do meu vestido
escorregavam algumas das poucas palavras que me restavam pelo chão.

“Mais um empecilho”, pensava.

Voltei pra trás, catei as palavras espalhadas
- agora, já estavam molhadas das lambidas da gata
Que as fuçava querendo talvez descobrir se tais palavras eram alguma espécie de alimento ou uma nova linha de barbante –

Agora que consigo chegar no bendito sofá, não sei bem o que faço com essas palavras.
Algumas estão gritando e outras estão bem pegajosas da baba da maluca da gata, então bordei essas mais insistentes, saindo uma coisa mais ou menos assim

“Me jogue em sua contramão
Não importa em que tráfego.
Em qualquer direção.

Ninguém irá saber

Minhas palavras estarão em branco
Meus beijos serão confissão.

Ninguém irá saber

Entre tantos carros
Entre tantas ruas
Em sua multidão
ninguém irá nos reconhecer

Ninguém irá saber.”

Antes de terminar, a gata puxou o que tinha bordado e escondeu,
Escondeu de mim
Não sei, mas talvez tenha rasgado esses versos que insistiam em não serem bordados.

sábado, maio 02, 2009

Peroba do Campo Harmônico -



Para Lucas

Correndo entre as flores secas te encontrei,
Enquanto meu vestido sobrevoava
Meus cabelos gotejavam
meus pés descalços não se importavam
Se pisavam em espinhos ou pedras.

Sei que corria
Corria com a velocidade de quem teme
Mas quase nunca temia
Corria com a velocidade de quem foge
Mas querendo ser encontrada
Corria com pressa de chegar
Corria com a promessa de te encontrar
Por vezes perdia o fôlego
Por vezes pedia-te
Perdia-me.

Anoitecia
Tropeçava entre os galhos
Nocauteava o vento
Fechava os olhos
seguia a obviedade dos labirintos
a sobriedade dos famintos
a eternidade do amanhã
o desnudo
o veludo.

Amanhecia
Corria
Entardecia
Te conhecia
Anoitecia
Por horas,não mais corria.

Ali
Entre flores secas
Galhos tortos
Meu coração sobrevoava
Meu fôlego palpitava
Minhas tintas te pintavam
Tua música me tocava.

sexta-feira, abril 17, 2009

Sr. Quase

”Tento te escrever mas a caneta não pulsa
Tento te desenhar mas o lápis não risca
Tento te pintar mas a tinta encontra-se translúcida...”

A partir do que foi citado pela vítima
Fica declarado que essa semana
o sr. Quase arrematou-a
Rebateu seus órgãos
Esgoelou seu amor
E amores

Segundo a testemunha
Tal incidência ocorreu entre
A esquina da rua saudade
Com a rua vontade.

Foi certificado que o acusado
Ataca com freqüência
Mulheres que vestem-se de
Confusão e carregam
Maletas de paixão.

Sr. Quase foi preso
Logo após a vítima ceder
Suas vestes de confusões
E quase ter cedido a sua preciosa
Maleta de paixão.

A vítima encontra-se salva
recupera-se aos poucos.

Sr.Quase já confessou que
Realmente tentou esgoelar
O acompanhante da vítima
Sr.Amor,porém sem êxito,
Relata que até temeu a força
De tal acompanhante.

Sr Quase espera a sentença
Mas pelo que tudo indica será preso
E não poderá mais ameaçar a perda
De pedras de paixão e assassinato de amores,
O acusado tornar-se-á
Nunca Mais.

domingo, março 15, 2009

....

Via e revia aqueles corpos mortos
Pensava,medicina não tem nada de literatura
Claro.
Mais fórmulas de bioquímica
Radicais e seus derivados
Pensava,medicina não tem nada de literatura
Claro.
Tecidos,glândulas,células,
E mais uma vez,
Cadê a literatura?

Convencida da ausência
Tratei de estudar o óbvio
Esquecer o romantismo
de olhos fechados
escondi meus vícios.

Passei a ser bússola
Dado viciado
Fórmulas
Fisiologia
Até anatomia.
Gostava daquele ritmo
Mas precisava da música
Gostava da teoria
Mas faltava-me alegria.

Sem pensar em poesia
Fomos conhecer a ciência fora do papel
Sem fórmulas para seguir
Sem teorias para cuspir.

Não esperava,mas de repente
Ela sorriu para mim
Perguntava de onde vinha
E foi se apressado em se apresentar
Vestia roupas velhas
E era linda
Me apresentou para alguns amigos
E só naquele momento
Encontrei o que tanto procurava.

Ali,
A literatura me abraçou
Não tinha braços nem pernas rimados
Não tinha olhos simétricos
Não tinha quase nada
Mas era poesia
apesar de alguns a chamarem de rabisco.

Era viva
Era mais que tronco,cabeça e membros
não era feita no papel nem a caneta
ou melhor,saia do papel e da caneta
era osso
carne
era gente de verdade
brotando
da alegria
do discreto sofrimento

sábado, março 14, 2009

te vejo quando puder

Vontade de fechar os olhos e senti a pontinha do seu nariz
No meu rosto
E depois quando abri-los vê o seu sorriso no canto da boca.
Vontade de não ter nada pra fazer com você
Mastigar seu chiclete sem açúcar
E até comer a folha do pé de pitanga da casa da mulher chata
Só pra vê você esperando se gosto do suposto gosto delicioso
Que não sinto.
Vontade de voltar pra casa de mãos dadas
de te beijar antes de atravessar a rua
e depois de alguns minutos olhar você já distante
com seu passo despreocupado.
vontade de te chamar pra comprar bala na padaria
e ficar lendo revista e gibi enquanto não chega.
vontade de te mostrar minhas músicas inacabadas
de prometer que vamos prestar atenção no filme
até o final
de sentir que sou tão sem jeito e desligada como você
de sentir a sua falta de vaidade
de só precisar falar menos de cinco minutos ao telefone
porque não gostamos disso
de ficar chateada quando fala mal do Caetano Veloso
vontade de não precisar pentear o cabelo pra te ver
vontade de te ve no próximo dia.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

me emprestem um dicionário

Reformaram a gramática nessa madrugada
Os acentos foram jogados
Para longe daqui.
Algumas notícias alarmam
“acentos prejudiciais a comunicação
entre os países são enviados a um campo
de concentração”.
Tremas foram retirados
Substituídos pelo grave
A situação anda aguda
E poucos acentos tentam
Reverter o “tremor” das mortes.
O império das frases
E os colonizadores desses acentos
Impedem uma ajuda acentuada
E em menos de vinte e quatro horas
É vigorada a comunicação em latim
E em grego na faixa palestina da gramática.

sábado, fevereiro 14, 2009

o meu amor

Composição: Chico Buarque

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes
Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Descendo a montanha

Lá do alto da montanha
Gritei teu nome
Para ouvir meu codinome
Levei um verso rimado
Um lápis afiado
Mas as estrelas me disseram
Que ali não tinha papel pra escrever tudo que quero,
Só se usasse as nuvens
Como remédio das palavras
E eu toda sem graça
Fui...
Lá pra cima das nuvens
Escrever meu verso rimado
Com o lápis afiado
Mas as luas avisaram
Que logo ia chover
E as nuvens assim mancharam
Tudo o que eu tinha te falado.
Triste desci as nuvens
Triste desci as montanhas
triste senti a chuva
E também triste senti as palavras
Mas no meio do caminho
Você estava lá
Você estava lá
Carregava um pote cheio de água.
Lá tinha água rubricada
Lá tinha água bordada
Lá tinha meu verso molhado
Junto ao teu abraço rimado.